Futebol e Hegemonia

Futebol e Hegemonia

Transferências, torcidas organizadas e viabilidade financeira: os desafios do Big 5 da América

Por Sandro Angulo Rincón

Nesta segunda parte, compartilharemos nossa reflexão sobre o conceito de hegemonia, após estudar a conexão entre competição, propriedade e espectadores das cinco melhores ligas da América, de acordo com o ranking da Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS): o Brasileirão (4º lugar) e as ligas da Argentina (10º), Colômbia (11º), Paraguai (13º) e Equador (17º) (CONMEBOL). O objetivo é avaliar esses campeonatos e compará-los com os das ligas do Big 5 da UEFA, no contexto do negócio do futebol moderno.

Na Agon&Areté partimos da tese de que as ligas da América estão focadas em um modelo exportador de seus jogadores de futebol e seus times têm mais oportunidades de obter títulos nacionais em comparação com as ligas europeias. No entanto, esta tese tem suas nuances, se considerarmos duas variáveis: a precariedade do jogo e a presença do clientelismo e corrupção que alteram o caráter democrático dos clubes do Big 5 da América.

A análise

Equipe Número de Títulos Tipo de Propriedade Cidade de Origem População
Atlético Mineiro 1 Coletiva Rio de Janeiro 6.700.000
Atlético Paranaense 1 Coletiva Curitiba 1.940.000
Corinthians 4 Coletiva São Paulo 12.300.000
Cruzeiro 3 Coletiva Belo Horizonte 2.520.000
Flamengo 3 Coletiva Rio de Janeiro 6.700.000
Fluminense 2 Coletiva Rio de Janeiro 6.700.000
Palmeiras 4 Coletiva São Paulo 12.300.000
Santos 2 Coletiva Santos 433.000
São Paulo 3 Coletiva São Paulo 12.300.000
Vasco da Gama 1 Coletiva Rio de Janeiro 6.700.000
Percentual de vencedores sobre o total de equipes: 50%

O Brasileirão é uma competição entre os 20 times profissionais que ocorre de abril ou maio até dezembro em partidas de ida e volta. O campeão é aquele que acumula o maior número de pontos ao longo da temporada. Como mostrado na tabela, 10 clubes conquistaram a taça nacional neste século, ou seja, 50% dos participantes na disputa pelo título. Vale ressaltar que os campeões estão concentrados em cidades como Rio de Janeiro (Flamengo, Cruzeiro, Fluminense, Atlético Mineiro e Vasco da Gama) e São Paulo (Corinthians e Palmeiras), duas das cidades mais populosas do país.

No ano de 2023, o Brasil foi o país que realizou o maior número de transferências de jogadores, 2.375 segundo o Global Transfer Report, representando uma receita de 935,3 milhões de dólares americanos (USD), uma das principais fontes de dinheiro para um país acostumado a formar jogadores de futebol de primeira categoria, mas cujos clubes não contam com estratégias financeiras e de marketing especializadas para valorizar seu talento esportivo. Portanto, algumas empresas, conhecidas como “grupos de investimento”, adquirem uma porcentagem das vendas futuras através da figura do “direito econômico”.

Oliver Seitz, autor do capítulo intitulado “Adelante, Brasil: desarrollando la industria del fútbol en un país en desarrollo” (Adelante, Brasil!: Desenvolvendo a indústria do futebol em um país em desenvolvimento), considera que esse mecanismo é uma alternativa para que os clubes consigam dinheiro a curto prazo – mesmo que deixem de ganhar mais se esses jogadores forem transferidos por somas mais altas – e mitiguem o risco de começarem a jogar mal, sofrerem uma lesão grave, terem seu contrato expirado e decidirem mudar de time de forma gratuita.

Otra fonte de recursos é a venda dos direitos de transmissão dos jogos para a Rede Globo, dominadora de todas as plataformas de comunicação do país e líder em audiência na televisão aberta e fechada. O dinheiro que essa rede entrega aos times, afirma Seitz, costuma ser inferior ao dos mercados europeus, devido ao fato de que ela tem praticamente o monopólio dos meios de comunicação, e as cadeias rivais não têm a mesma influência política e infraestrutura tecnológica. Assim, os valores dos direitos de transmissão se mantêm em um nível que está mais dentro dos interesses do comprador (Rede Globo) do que dos do vendedor.

Um aspecto notável do Brasileirão é que a maioria dos clubes são sem fins lucrativos e propriedade dos sócios. Este modelo associativo supõe que milhares de torcedores escolham ou sejam escolhidos presidentes ou membros de suas juntas diretivas, muitas vezes sem receber um salário. As pessoas que se candidatam a esses cargos, às vezes o fazem sem o conhecimento profundo da administração e prometendo títulos com detrimento da saúde econômica da organização esportiva. Houve tentativas de obrigar os clubes a adotar práticas coerentes com instituições economicamente viáveis, como a Lei Zico (Lei nº 8.672/93 em homenagem ao treinador e extraordinário meio-campista) e a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98 ou “Lei do Esporte”), mas não tiveram sucesso.

No primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula Da Silva (2003-2007) foi criada a Timemania, loteria estatal, com o objetivo de distribuir seus benefícios aos clubes em crise e assim ajudar a diminuir suas dívidas, grande parte contraídas pelo não pagamento de impostos à Superintendência de Administração Tributária do Brasil.

Equipe Número de Títulos Tipo de Propriedade Cidade de Origem População
Argentinos Juniors 1 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
Arsenal F.C. 1 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
Banfield 1 Coletiva Banfield 600.000
Boca Juniors 13 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
Colón 1 Coletiva Santa Fe 550.000
Estudiantes de La Plata 2 Coletiva La Plata 800.000
Independiente 1 Coletiva Avellaneda 340.000
Lanús 2 Coletiva Lanús 470.000
Newell’s Old Boys 2 Coletiva Rosario 1.500.000
Racing Club 3 Coletiva Avellaneda 340.000
River Plate 8 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
San Lorenzo de Almagro 3 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
Tigre 1 Coletiva Victoria 400.000
Vélez Sarsfield 5 Coletiva Buenos Aires 3.000.000
Rosario 1 Coletiva Rosario 1.500.000
Percentual de vencedores sobre o total de equipes: 65,2%

A liga argentina atualmente é disputada em duas modalidades. A Copa da Liga, que tem um formato mais curto no qual os 28 times da primeira divisão são divididos em dois grupos. Depois, os quatro primeiros avançam para a fase de quadrangulares e, a partir dessa etapa, os jogos são disputados em partidas únicas em campo neutro até a final. Por outro lado, a Liga Profissional consiste em um torneio no qual todos jogam contra todos durante a temporada, e o que obtiver mais pontos ao final será o campeão.

Uma crítica a esse duplo formato concentra-se na quantidade de times em competição (28), pois, para alguns dirigentes e ex-jogadores, isso afeta a qualidade do jogo. Os argumentos apontam que participam equipes de baixo ou regular desempenho, não preparadas para estar na primeira divisão, e que isso cria problemas logísticos, de saúde e econômicos devido ao aumento das deslocações e dos minutos adicionais que os jogadores investem em mais partidas e treinamentos, a ponto de provocar lesões.

Neste século, nem sempre foram 28 clubes. Em outras ocasiões foram 20 ou um pouco mais, por isso, para a análise das chances de conquistar títulos, foi tirada uma média de 23. Deste modo, a liga argentina é uma das que mais produz campeões diferentes por temporada: 15 (65,2% dos 23 participantes, em média). Poderia ser argumentado que, havendo dois torneios por ano (somando 46 temporadas neste século), o número de candidatos ao título seria maior. No entanto, ao igualar às 23 temporadas da liga europeia desde 2011 até 2023, haveria 12 (52,17%) equipes vencedoras, um dado que evidencia a tendência democrática e equilibrada da liga argentina.

Se retomarmos o valor original dos 15 vencedores nas 46 temporadas do século XXI, seis times estão concentrados em Buenos Aires, a capital, e o restante distribuído pela geografia nacional. Segundo o Global Transfer Report, a Argentina ocupou o segundo lugar com 1078 transferências internacionais, representando uma receita de 509,7 milhões de dólares americanos (USD).

Outro aspecto a ser destacado é o caráter coletivo da propriedade dos clubes, no qual os torcedores/sócios podem votar para eleger o presidente e as juntas diretivas. No entanto, no artigo “Football, Clientelism and Corruption in Argentina: An Anthropological Inquiry” (Futebol, Clientelismo e Corrupção na Argentina: uma investigação antropológica), de autoria de Eugenio Paradiso, enfatiza-se que esse caráter democrático não raramente resultou em relações corruptas, clientelistas e violentas entre os candidatos aos cargos diretivos dos clubes, alguns políticos de ofício, e as torcidas organizadas, barras bravas ou ultras. Esse drama do futebol argentino se apresenta em dois atos: (1) os candidatos a esses cargos oferecem dádivas para que os líderes das barras persuadam os torcedores/sócios a votarem nos primeiros, os postulantes, e (2) os líderes das barras bravas ou ultras se sentem no “direito” de exigir ou coagir os já presidentes ou integrantes das juntas diretivas a lhes devolverem “a ajuda” (um favor pendente de cobrança), às vezes com violência.

De acordo com Natalia Roudakova, autora do artigo *Media-Political Clientelism: Lessons from Anthropology* (Clientelismo Político-Mediático: Lições da Antropologia), o clientelismo é entendido como “uma forma de organização social e política onde o acesso aos recursos públicos é controlado por poderosos ‘mecenas’ e entregue a ‘clientes’ menos poderosos em troca de deferência e outras formas de recompensa”. Trata-se de uma crença cultural, segundo a qual as regras formais e os canais regulares para solicitar serviços são menos importantes que as conexões pessoais.

Um exemplo do segundo ato é descrito por Eugenio Paradiso: em troca do apoio político, as barras bravas ou ultras pedem 300 ingressos para os jogos, três ônibus para deslocamentos ao estádio, uma porcentagem do dinheiro arrecadado pelas concessões de venda de comida e bebida, privilégios que colocam em risco a estabilidade econômica do time. Também lhes é permitido explorar as ruas próximas ao estádio mediante a cobrança ilegal de dinheiro das pessoas que estacionam o carro. Essas práticas corruptas e clientelistas estão praticamente normalizadas, acrescenta Paradiso, de modo que a sensação generalizada é a de viver em um país onde prevalece a impunidade social.

Equipe Número de Títulos Tipo de Propriedade Cidade de Origem População
América 6 Privada Cali 2.228.000
Atlético Nacional 10 Privada Medellín 2.569.000
Boyacá Chicó 1 Privada Tunja 172.548
Cúcuta Deportivo 1 Privada Cúcuta 711.715
Deportes Tolima 3 Privada Ibagué 529.635
Deportivo Cali 3 Privada Cali 2.228.000
Deportivo Pasto 1 Privada Pasto 392.390
Deportivo Pereira 1 Privada Pereira 467.269
Independiente Medellín 4 Privada Medellín 2.569.000
Junior 6 Privada Barranquilla 1.206.000
Millonarios 3 Privada Bogotá 7.181.000
Once Caldas 3 Privada Manizales 434.403
Santa Fe 3 Privada Bogotá 7.181.000
Percentual de vencedores sobre o total de equipes: 65,2%

A liga colombiana, junto com a argentina e a equatoriana (ver mais adiante), é a mais equilibrada, com 13 times de 10 cidades diferentes (65,2% dos 20 participantes) alcançando o primeiro lugar. Destaca-se o Boyacá Chicó, proveniente da cidade de Tunja, que conta com apenas 172.548 habitantes. Na Colômbia, o formato da competição era igual ao atual das ligas europeias durante 2000 e 2001, ou seja, confrontos todos contra todos, e o time que somasse mais pontos no final era o vencedor. Porém, a partir do ano 2002, disputa-se um torneio de Apertura (janeiro a junho com oito classificados) e Clausura (julho a dezembro com oito classificados), resultando em 46 temporadas neste século.

Se considerarmos as últimas 23 temporadas, para igualar o número de temporadas das ligas do Big 5 europeu, nove times diferentes (45%) conquistaram a copa nacional. No entanto, ao contrário do que ocorre no Brasil e na Argentina, a propriedade dos clubes está concentrada em corporações, empresários ou famílias de altos rendimentos e influência política. Nesse sentido, a Lei 1445 de 2011 promoveu a conversão de clubes em sociedades anônimas.

O grupo Ardila Lulle, dedicado à indústria de bebidas, automóveis, usinas de açúcar, meios de comunicação, agroindústria e seguros, é o dono do Atlético Nacional; o Deportivo Independiente Medellín pertence ao Grupo Empresarial Antioqueño; o América de Cali ao empresário Tulio Gómez; o Deportes Tolima à família Camargo Serrano. Millonarios de Bogotá pertence à Amber Capital através de Blas de Lezo Inversiones e o Junior de Barranquilla ao empresário e político Fuad Char, para citar alguns exemplos.

Da Colômbia, foram transferidos 855 jogadores para outros países, ocupando o quinto lugar no ranking do Global Transfer Report 2023, obtendo receitas de 132,4 milhões de dólares americanos (USD).

As críticas dos torcedores e da imprensa à liga colombiana se dão em dois sentidos. O primeiro é que os proprietários estão focados em um mercado exportador de seus talentos e em receber dinheiro pela cessão dos direitos de transmissão, atualmente nas mãos do canal WinSports, mais do que em reinvestir os benefícios na contratação de bons jogadores e treinadores para a obtenção de títulos e, especialmente, para serem competitivos na Copa Libertadores da América (equivalente à Champions League) e na Copa Sul-Americana (equivalente à UEFA Europa League). O segundo refere-se ao comportamento de algumas barras bravas ou ultras que, diante dos maus resultados esportivos, ameaçam dirigentes e jogadores, criando um ambiente hostil dentro e ao redor dos estádios, inadequado para o desfrute familiar.

Equipe Número de Títulos Tipo de Propriedade Cidade de Origem População
Cerro Porteño 10 Coletiva Assunção 525.294
Guaraní 2 Privada Assunção 525.294
Libertad 16 Coletiva Assunção 525.294
Nacional 3 Coletiva Assunção 525.294
Olimpia 9 Privada Assunção 525.294
Percentual de vencedores sobre o total de equipes: 41,6%

Os títulos conquistados neste século estão concentrados em cinco times, todos eles de Assunção, a capital do país. Vale destacar que dos 12 clubes que participam na atual temporada, apenas quatro são de outras cidades: 2 de Mayo de Pedro Juan Caballero, Sportivo Ameliano e Sportivo Trinidad de Fernando de la Mora, e General Caballero de Zeballos Cué.

O Global Transfer Report não informa o número de transferências de jogadores paraguaios para ligas estrangeiras. Neste século, cinco times (41,6% dos 12 que competiram em 41 temporadas) conquistaram o título nacional. O formato da liga paraguaia era semelhante ao das ligas europeias entre 2000 e 2007. A partir de 2008, existem o Torneio Apertura, de fevereiro a junho, e o Torneio Clausura, de julho a dezembro. Se considerarmos as 23 temporadas, como no Big 5 europeu, o número de vencedores permanece o mesmo, ou seja, cinco (41,6% dos 12 clubes em disputa).

A maioria dos clubes possui uma propriedade coletiva, na qual os sócios e dirigentes gerenciam a organização esportiva, embora a tendência seja a conversão em sociedades anônimas.

Equipe Número de Títulos Tipo de Propriedade Cidade de Origem População
Aucas 1 Privada Quito 2.011.000
Barcelona 3 Privada Guayaquil 2.698.000
Delfín 1 Privada Manta 258.697
Deportivo Cuenca 1 Privada Cuenca 580.000
Deportivo Quito 3 Privada Quito 2.011.000
El Nacional 2 Coletiva Quito 2.011.000
Emelec 6 Privada Guayaquil 2.698.000
Independiente del Valle 1 Privada Sangolquí 96.647
Liga de Quito 6 Privada Quito 2.011.000
Olmedo 1 Privada Riobamba 264.000
Percentual de vencedores sobre o total de equipes: 62,5%

A maioria dos clubes de futebol no Equador é de propriedade de pessoas ou entidades jurídicas privadas, que podem ser empresas, consórcios, investidores individuais ou corporações. A exceção à regra é El Nacional, que se inclina por uma propriedade coletiva, onde os sócios e torcedores influenciam nas decisões da organização esportiva, embora os patrocínios tenham uma forte incidência em sua gestão. Recentemente, houve um aumento no investimento de empresários nos clubes. Por exemplo, Michel Deller é um investidor equatoriano, dono do time Independiente del Valle, e o grupo Eljuri, também do Equador (dedicado à construção, turismo e hotelaria), é proprietário do Emelec. O Global Transfer Report não informa o número de transferências de jogadores equatorianos para o futebol estrangeiro.

A liga do país é caracterizada por ter coroado 10 times até agora neste século, 62,5% dos 16 clubes participantes. Costuma ter um formato de competição que variou ao longo dos anos, mas geralmente consiste em duas etapas principais: a etapa regular e a fase final ou playoffs, ambas desenvolvidas em uma única temporada.

Durante a etapa regular, os times competem todos contra todos em jogos de ida e volta ao longo de várias rodadas. Os pontos são acumulados e, ao final, os seis times com mais pontos se classificam. O formato dos playoffs pode variar, mas geralmente envolve confrontos diretos entre os times classificados, jogados em séries de ida e volta ou em partidas únicas. Os vencedores desses confrontos avançam para as rodadas subsequentes até chegar à final.

O final do jogo

Este relatório demonstra que, nas ligas de futebol profissional da América, existe a possibilidade de haver mais equipes com opção de título do que nas principais ligas da Europa. Os dados consolidados de 2000 a 2023 são reveladores: a França, com oito equipes vencedoras (40% de 20 em competição), o mais alto do Big 5, não atinge o número de vencedores no Brasil (10/50% de 20), Argentina (15/65,2% de 23 em média), Colômbia (13/65,2% de 20), Paraguai (5/41,6% de 12) e Equador (10/65,2% de 16 em competição).

Isso ocorre não necessariamente porque a propriedade dos clubes seja mais democrática, pois essa premissa só se apresenta no Brasil e na Argentina, e não na Colômbia, Paraguai e Equador, onde predominam o patrocínio e a participação acionária do setor privado. Talvez a resposta deva ser encontrada no fato de que (1) o mercado do futebol na América não é tão atrativo para os grandes investidores, que provocam as diferenças econômicas na gestão das equipes e que se observam na contratação dos melhores jogadores (nacionais e estrangeiros) e treinadores; (2) a inesgotável fonte de talentos, somada à prevalência exportadora dessas novas promessas do esporte nas políticas dos clubes, produz um jogo muito equilibrado com os que ficam, mas não tão vistoso para o espectador.

Esse segundo aspecto, o do mercado exportador, é objeto de análise por pesquisadores dos estudos decoloniais, que pretendem desvendar e desafiar estruturas de poder colonial, bem como questionar as narrativas hegemônicas que perpetuaram a “inferiorização” de culturas, identidades e conhecimentos. Essa é a postura crítica de Kevin Daniel Rozo em seu artigo *Eurocentric Globalization of Football: Coloniality, Consumption, Social Distinction and Identities of Transnational Fans in Latin America* (Globalização eurocêntrica do futebol: Colonialidade, consumo, identidades e distinção social das torcidas transnacionais na América Latina).

Para o autor, a oferta e venda dos jogadores mais destacados das ligas da América para as ligas do Big 5 europeu é uma nova forma de colonialismo, na qual os países colonizados (Brasil, Argentina, Colômbia, Paraguai, Equador e outros da América e África) continuam fornecendo talento humano altamente qualificado aos colonizadores (Itália, Inglaterra, Espanha, Alemanha e França), para aumentar os lucros dos times europeus e proporcionar espaços de lazer aos seus torcedores.

Essa relação assimétrica, no âmbito das teorias econômicas, se relaciona com a teoria da dependência, desenvolvida pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) nos anos 40. Adaptada ao esporte, a dependência supõe que coexistem dois tipos de nações: as que estão no centro, produzindo e vendendo bens industrializados (as ligas do Big 5 da Europa), e as que estão na periferia (o Big 5 da América), subsidiando essa industrialização ao exportar, a preços baixos, o que há de melhor em seus territórios (jogadores de futebol).

Mesmo sem entrar nessas discussões acadêmicas, os riscos dessa relação já são evidentes: ao exportar os melhores jogadores, as ligas da América tendem a não ser tão competitivas no cenário internacional. A final da Copa do Mundo de Clubes da FIFA, disputada em Jeddah, Arábia Saudita, em dezembro de 2023, ilustra essas desigualdades. O Manchester City, com um elenco titular 12 vezes mais caro, derrotou o Fluminense do Brasil por 4 a 0 (ver tabela).

Manchester City Fluminense
Jogador Valor em euros Jogador Valor em euros
Ederson 40.000.000 Fabio 200.000
Kyle Walker 13.000.000 Samuel Xavier 400.000
John Stones 38.000.000 Felipe Melo 150.000
Rúben Dias 80.000.000 Nino 10.000.000
Nathan Aké 40.000.000 Marcelo 1.500.000
Rodrigo 110.000.000 Jhon Arias 12.000.000
Rico Lewis 38.000.000 Keno 900.000
Bernardo Silva 80.000.000 Germán Cano 1.500.000
Phil Foden 130.000.000 André 25.000.000
Jack Grealish 65.000.000 Matheus Martinelli 8.000.000
Julián Álvarez 90.000.000 Paulo Henrique Ganso 700.000
TOTAL 724.000.000 TOTAL 60.350.000

Fuente: Transfermarkt.com. Este portal se especializa en aproximar el valor de los jugadores en el mercado de transferencias, de acuerdo con las siguientes variables: estadísticas y rendimiento (goles, asistencias, interceptaciones, etc.), edad, experiencia con la selección de su país, vigencia del contrato, historial de lesiones, entre otras.

Además, los aficionados se privan de ver en los estadios por más tiempo a los nuevos talentos del balompié, pues apenas sobresalen ya tienen opción de compra de equipos extranjeros para la próxima temporada. Por eso, algunos hinchas, decepcionados por la precariedad del juego, crean grupos de fans transnacionales, admiradores de los campeonatos de Europa donde se concentran los futbolistas con alto desempeño atlético.

Como lo advierte Kevin Daniel Rozo, en Colombia y en Brasil existen colectivos de esta naturaleza que se reúnen periódicamente para apoyar a escuadras extranjeras. En Bogotá, los fanáticos colombianos del Liverpool se reúnen desde 2014 en “El Inglés Gastro Pub”, un restaurante-bar ubicado en el norte de la ciudad, una zona de clase media alta, cuyo rasgo distintivo es su amplia oferta de bebidas y comida típica inglesa. En São Paulo, brasileños y catalanes seguidores del Barcelona se encuentran en bares y restaurantes durante los partidos televisados para compartir las tradiciones, idiomas, anécdotas y asuntos políticos de ambas regiones.

As torcidas organizadas ou ultras na América Latina são objeto de debate devido ao comportamento dessas torcidas. Algumas delas, além de apoiar seu clube quando joga em casa ou fora, desenvolvem uma função social por meio de campanhas para aliviar as contingências das pessoas vulneráveis, devido aos seus baixos rendimentos econômicos ou discriminação. Lamentavelmente, essas ações não costumam ser registradas nos meios de comunicação, mas sim aquelas em que estão vinculadas a agressões, violência e ameaças. Estas últimas são verdadeiras e automaticamente geram estigmas.

Vimos que na Argentina algumas delas influenciam na escolha das diretorias do futebol profissional, mediante conexões corruptas e clientelistas que deterioram a imagem e provocam erogações ilegais dos clubes para satisfazer as demandas, às vezes violentas, dos torcedores radicais. Da mesma forma, os clubes se ressentem quando as autoridades dos países afetados multam os clubes devido à violência e desordem provocadas pelas torcidas ou ultras nos estádios.

Uma relação mais transparente entre esses atores, junto com uma presença mais sólida do Estado para suprir as demandas de quem faz parte desses coletivos, contribuirá para o desfrute tranquilo do jogo e para o desenvolvimento da indústria do futebol na América, com um papel preponderante dos torcedores na sua gestão e controle.

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Agon y Areté
Eu sou Sandro Angulo Rincón, um jornalista colombiano e professor universitário. Eu me envolvo em pesquisas esportivas amadoras, prática e consumo. Minha aspiração é produzir peças jornalísticas de alta qualidade e receber feedback dos leitores para que Agon & Areté possa crescer entre diversas audiências que falam espanhol, inglês, português e árabe.

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